De juvenal a Patativa
É incomensurável o valor da poesia matuta, da forma oral de comunicação, dos versos improvisados, enfim, da chamada cultura popular. Ontem, 1o de setembro, completei um ano como repórter do Jornal O POVO. Lá, não escrevo rimando nem com a linguagem coloquial. Mas o meu estudo de conclusão do curso de jornalismo na Universidade Federal do Ceará (UFC) sobre a linguagem oral me deu nova visão sobre a escrita, sobre a comunicação. A base da minha pesquisa foi o acopiarense Manoel Moreira Júnior, conhecido como Moreira de Acopiara. O meu conterrâneo nasceu no interior de Acopiara e vive, com maestria, da poesia que produz. Eu o classifico como o poeta popular intelectual, já que não tem o estereótipo do cordelista de roupa e chapéu de couro, o que não desmerece nem a um nem a outro. Vai, então, uma poesia deste matuto rimador que me faz orgulhoso de ser acopiarense. Na foto, Moreira recita para o público no Sesc em São Paulo, onde vive.
Com dor no meu coração
E viola sobre o peito,
Sentei-me à beira do mar
Pra cantá-lo do meu jeito.
Foi em vão minha atitude;
Esforcei-me o quanto pude,
Mas vi meu sonho desfeito.
Senti que a brisa cessou,
As ondas se encapelaram
E a voz da musa bradou:
“Vá cantar noutro lugar,
Pois as belezas do mar
Já houve alguém que cantou”.
E insistiu a voz da musa:
“Seu verso não é pequeno,
Mas não me dará prazer.
Vá cantar noutro terreno,
Pois as belezas do mar
Ninguém consegue cantar
Como Juvenal Galeno.
Esse cidadão cantou
De maneira especial
O jangadeiro bravio,
A água cor de cristal,
A jangada e sua história.
Portanto guarde a memória
Do poeta Juvenal!
Os versos dele são luzes
Que não irão se apagar!
Depois dele esses seus versos
Não poderão me encantar.
Você cante o que quiser,
Faça o melhor que puder,
Mas cante noutro lugar!”.
Vendo frustrado o meu sonho
Pensei: Eu vou ao sertão!
Vou cantá-lo e sei que o povo
Dali me presta atenção.
E eu tenho quase certeza
De que ali tiro a tristeza
E a dor do meu coração.
E otimista e pensativo
Eu deixei o litoral
Sem tirar do pensamento
O poeta Juvenal.
Imaginei: No sertão
Sei que terei condição
De fazer bom recital.
No sertão eu cantarei
O copado juazeiro,
A fogueira de São João,
O trabalhador roceiro
E a humildade do matuto
Que cuida do solo bruto
Com mão de bom jardineiro.
Mas a musa sertaneja
Na hora que me avistou
Já foi me dizendo: “Escute
Os conselhos que lhe dou.
Sua vinda foi em vão!
As belezas do sertão
Já houve alguém que cantou.
Você não queira insistir
Porque não vai me agradar.
Pegue a sua violinha,
Vá cantar noutro lugar,
Pois mesmo cantando bem
Aqui no sertão ninguém
Vai conseguir lhe escutar.
Patativa do Assaré
Passou por aqui primeiro
E cantou como ninguém
A bondade do roceiro
Que pouco prazer desfruta,
A beleza da matuta
E a coragem do vaqueiro.
Esse bardo sertanejo,
De sobrada inspiração,
Já cantou com pompa e classe
O cariri e o sertão.
Os seus bonitos poemas
Nos mais variados temas
Estão no meu coração”.
Pra concluir disse a musa:
“Não quero você por cá.
Vá cantar noutra paragem
Porque Patativa já
Cantou alto e em bom som
O sertão seco, mas bom
Do poético Ceará.
E cantou as injustiças,
Tristezas, amor e guerra;
A seca, o inverno, a mata,
Da chapada ao pé da serra.
Cantou a reforma agrária
E a situação precária
Do trabalhador sem terra.
Já falou do retirante
Que abandona o seu lugar
E parte levando os seus
Para nunca mais voltar.
Portanto, meu bom rapaz,
O sertão já não tem mais
Nada pra você cantar”.
Mais uma vez vi meu sonho
Em cinzas todo desfeito.
Abracei minha viola,
Apertei-a sobre o peito,
Regressei para o meu lar
E comecei a rezar
Na solidão do meu leito
Moreira de Acopiara
1 Comments:
Justa homenagem ao seu amigo
Moreira de Acopiara,
Que, tanto quanto Patativa, lhe digo,
Parece saber bem da saga.
Lindos e verdadeiros versos
Sem sentimento adverso
Acabei de ler em seu texto
E sinto como se a vida
Que vivo nunca dividida
Me olhasse com apreço.
Grande abraço e parabéns pela iniciativa da homenagem!
Valcir Machado!
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