Sunday, April 11, 2010

Analfabeto

Que não saibam mais nada da língua portuguesa que a conjugação verbal. A língua-mãe, língua-pátria - ou qualquer nome que se dê à língua -, nos ensina sobre relacionamentos. Todos os tipos. E quebra o sentido linear do tempo, porque começa no futuro, passa pelo presente e se torna passado, isso tudo, inevitavelmente. Nem importa a época ou a região. Mudam as expressões, ficam os tempos verbais.

Tudo é novo no instante do encontro, no futuro e varia só o tipo do que vem a ser. No presente, só os pelos, que se arrepiam, os gestos, que se aperreiam, os olhos, que se arregalam, o corpo, que sua, as mãos, que gelam.

“Eu queria (o certo é quereria, porque “queria” é pretérito imperfeito) tanto te conhecer”; “Eu vou pegar aquela gata”; “Que gostosa! Vai ser mole, mole”; “Eu vou me arrochar com aquele deus grego”; “Hum! Vai ser ótimo pegar aquele pão”; “Eu me atracarei naquelas pernas”. Vem o incentivo, o que dá mais segurança. “Vai lá, cara”; “Vai dar certo, viu!”; “Eu vou te apresentar”; “Vai rolar, amiga!”. O verbo “ir” é vedete, por tanto.

Daí, no desenrolar da conquista, em que as emoções são intensas e incertas, o verbo no presente do indicativo prevalece. É a fase da argumentação, da venda, da publicidade. De uma maneira ou de outra, é o momento em que as regras são limítrofes, porque pode ser um sucesso, uma decepção ou, simplesmente, indiferente - o que é pior. Aqui, os verbos no imperativo, dando ordem, funcionam pouco. É um paradoxo publicitário (eu que penso).

Nos casos de não acontecer, para amenizar, tenta-se uma saída mais eufêmica. Uma espécie de consolo. “Vai ficar só na amizade”; “Você é legal, mas não vai rolar”; “Somos muito diferentes, não vai dar certo”. É futuro, mas é um futuro meio sem futuro. É um futuro do passado, sem presente. Por tanto, é para se conformar com o salto - do futuro direto para o passado: “Iria rolar, mas não deu certo!”

As expressões “Êh, lá em casa” e “Se eu te pego...”, são condicionais, dependem de algo para ocorrer. Por isso, são inúteis, como é inútil chamar atenção por meio de sons. Aqueles sons conhecidos. Nunca na história da literatura da paquera (eu que penso) uma pessoa faturou outra – sem pagar -, com um “fiu-fiu”, um “psiu” ou com aquela buzinada de carro. Mas por que todo mundo faz isso?

Bom, depois da flechada, da paquera, agora é o presente perfeito. Ah, o presente! Esse tempo verbal bem que poderia se chamar “concreto”. “Menino, conjuga aí o verbo no concreto do afirmativo”. Seria legal! É que é a hora da verdade: “Você é meu tudo”; “Eu não vivo sem você”; “Adoro estar com você”; “A noite é perfeita contigo”; “Tu me faz (fazes) tão feliz”. É tudo muito concreto, palpável, existente.

Vez por outra, rola um futuro, mas é um futuro do presente. “Nós construiremos uma família”. É um futuro que chega perto do agora, mas logo vai pro passado. Por que, na verdade, no calor das emoções, o presente é insatisfatório. Não se consegue pensar só no presente, a ponto de, às vezes, perder o foco e estragar tudo. Confusão essa causada por uma simples pergunta no futuro: “Iremos nos casar?” Se você soubesse o quanto não precisava ter falado isso....

Perceber o patamar do que as pessoas que se relacionam sentem faz a diferença. Aceitar que nunca - mas nunca mesmo -, os sentimentos se equilibrarão não é fácil. Uma série de fatores influencia no “sentimentômetro” - aparelho que mede os sentimentos. Felizmente, não existe esse aparelho, porque a mecanização de qualquer tipo de relação acomoda o que seria a meta de sentimento para aquele dia.

Enfim... depois de uma série de conjugações erradas, a relação tropeça e se torna passado. Nesse caso, quanto mais passado, melhor, para que o futuro do presente chegue mais rápido possível. Se foi um passado perfeito: “Fomos felizes”; “Eu te amei”. Mas se for um pretérito, assim, imperfeito: “Éramos felizes”; “Eu te amava”. A diferença é que, respectivamente, a felicidade e o amor foram instantâneos ou permanentes. O certo é que ambos ficaram para trás, no passado.

Alfabetização nos relacionamentos humanos passa, necessariamente, pela compreensão verbal. (Eu que penso)

7 Comments:

At 6:59 PM, April 11, 2010 , Blogger Helinho said...

SENSACIONAL!!!

 
At 7:07 PM, April 11, 2010 , Blogger Unknown said...

muuuito massa! amei ;D

 
At 7:08 PM, April 11, 2010 , Blogger Unknown said...

This comment has been removed by the author.

 
At 4:20 PM, April 12, 2010 , Anonymous Jessyca said...

Por isso eu desaconselho namorar um gringo. Errar todos os tempos verbais é fácil, muito fácil... ahahahah. Perfeito, Andreh.

 
At 11:44 AM, April 13, 2010 , Blogger Andreh Jonathas said...

poisé... por isso q tem tanta separação nos EUA...tempos verbais ralos, repetitivos e sem emoção...dá nisso! rss!

 
At 11:03 AM, April 20, 2010 , Blogger Unknown said...

Poxa, cara... Fantástico!!!

Estava meio que com saudade de ler pérolas como esta.
Sem palávras primeiro pelo "mote", segundo pela forma primorosa do texto em sí.

Parabéns!!!

Grande abraço.

 
At 7:02 AM, August 17, 2010 , Blogger Adilana Soares said...

Sem palavras, nem verbos.... excelente!

 

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