Wednesday, September 30, 2009

Para calentar


Ai, ai, vinho para que te quero! Para reproduzir sobre ti um trecho de "La Celestina", de Fernando de Rojas, escritor castelhano do século XVI. A obra-prima de Rojas trata de uma senhora que faz feitiços para unir casais pobre e rico, tirando benefícios para si própria. Linguagem simples. Não precisa saber muito espanhol não. De qualquer maneira, a parte que fala do vinho vai ficar por aqui pra "calentar" a página.

"Por las noches, en invierno, no hay nada mejor que el vino para calentar la cama, porque con dos vasitos que beba, no siente frío en toda la noche. Esto calienta la sangre; esto hace esta siempre alegre; esto quita la tristeza de corazón; esto da valor al joven y fuerza al viejo; da color al descolorido y valor al cobarde; saca el frío del estómago, quita el mal olor de la boca, cura el dolor de muelas".

Cultivo Una Rosa Blanca


Aproveitar o momento poesia da minha vida e publicar esses versos verdadeiros de um poeta cubano. Também indicar o trabalho da cantora brasileira que mistura elementos cubanos, Marina de la Riva. Só por seus ídolos e influências, a mocinha já merece respeito: Nina Simone, Ella Fitzgerald, Carmen Miranda, Billie Holiday, Omara Portuondo, Chano Pozo, Maysa, Tom Jobim, Maria Bethânia, Cartola, Bola de Nieve, Bebo Valdés, Peggy Lee, Maria de Los Ángeles Santana, Chet Baker e Ernesto Lecuona. Procurem aí na internet essa excelente audição. Na foto, Marina de la Riva. Na poesia, "Cultivo Una Rosa Blanca".

"Cultivo una rosa blanca

en junio como enero
para el amigo sincero
que me da su mano franca.

Y para el cruel
que me arranca
el corazón con que vivo,
cardo ni ortiga cultivo;
cultivo la rosa blanca."

José Martí, poeta cubano

Monday, September 28, 2009

Eu e o samba

Um samba cadente
Uma melodia crescente
Uma harmonia vibrante
Um pandeiro fervente

Um surdo pulsante
Uma cuíca insolente
Um ritmo envolvente
Um gingado indecente

Uma alegria tombada
A confiança retomada
Uma alma lavada
Uma criança eterna
Com uma história finita

Um piano gritante
Um cavaquinho estridente
Um tamborim sorridente
Um violão amante

Chorando a cada instante
Um choro desvairado
Como um poeta apaixonado
Sem pauta, sem nota, sem corda

Um caquiado respeitado
Um colorido sombreado
Um João qualquer
numa encarnação refinada

Um banjo falante
Um reco-reco resistente
Uma flauta doce salgada
Um repique repicado
Um caboclo resfriado

Uma criação matuta
Uma asa branca astuta
Um rio seco molhado
Um viva e forte canção
Completa, sedenta, faminta e inspirada.

Thursday, September 03, 2009

Sensibilidade é bobagem


Porque sempre é possível ser surpreendido. Porque as mensagens mais impressionantes são as escondidas. Porque é bom redescobrir que o mundo é gigantesco. Fotografia transformada em música. Para ouvir, clique aqui.

Wednesday, September 02, 2009

De juvenal a Patativa


É incomensurável o valor da poesia matuta, da forma oral de comunicação, dos versos improvisados, enfim, da chamada cultura popular. Ontem, 1o de setembro, completei um ano como repórter do Jornal O POVO. Lá, não escrevo rimando nem com a linguagem coloquial. Mas o meu estudo de conclusão do curso de jornalismo na Universidade Federal do Ceará (UFC) sobre a linguagem oral me deu nova visão sobre a escrita, sobre a comunicação. A base da minha pesquisa foi o acopiarense Manoel Moreira Júnior, conhecido como Moreira de Acopiara. O meu conterrâneo nasceu no interior de Acopiara e vive, com maestria, da poesia que produz. Eu o classifico como o poeta popular intelectual, já que não tem o estereótipo do cordelista de roupa e chapéu de couro, o que não desmerece nem a um nem a outro. Vai, então, uma poesia deste matuto rimador que me faz orgulhoso de ser acopiarense. Na foto, Moreira recita para o público no Sesc em São Paulo, onde vive.

Com dor no meu coração
E viola sobre o peito,
Sentei-me à beira do mar
Pra cantá-lo do meu jeito.
Foi em vão minha atitude;
Esforcei-me o quanto pude,
Mas vi meu sonho desfeito.

Ao dedilhar a viola
Senti que a brisa cessou,
As ondas se encapelaram
E a voz da musa bradou:
“Vá cantar noutro lugar,
Pois as belezas do mar
Já houve alguém que cantou”.

E insistiu a voz da musa:
“Seu verso não é pequeno,
Mas não me dará prazer.
Vá cantar noutro terreno,
Pois as belezas do mar
Ninguém consegue cantar
Como Juvenal Galeno.

Esse cidadão cantou
De maneira especial
O jangadeiro bravio,
A água cor de cristal,
A jangada e sua história.
Portanto guarde a memória
Do poeta Juvenal!

Os versos dele são luzes
Que não irão se apagar!
Depois dele esses seus versos
Não poderão me encantar.
Você cante o que quiser,
Faça o melhor que puder,
Mas cante noutro lugar!”.

Vendo frustrado o meu sonho
Pensei: Eu vou ao sertão!
Vou cantá-lo e sei que o povo
Dali me presta atenção.
E eu tenho quase certeza
De que ali tiro a tristeza
E a dor do meu coração.

E otimista e pensativo
Eu deixei o litoral
Sem tirar do pensamento
O poeta Juvenal.
Imaginei: No sertão
Sei que terei condição
De fazer bom recital.

No sertão eu cantarei
O copado juazeiro,
A fogueira de São João,
O trabalhador roceiro
E a humildade do matuto
Que cuida do solo bruto
Com mão de bom jardineiro.

Mas a musa sertaneja
Na hora que me avistou
Já foi me dizendo: “Escute
Os conselhos que lhe dou.
Sua vinda foi em vão!
As belezas do sertão
Já houve alguém que cantou.

Você não queira insistir
Porque não vai me agradar.
Pegue a sua violinha,
Vá cantar noutro lugar,
Pois mesmo cantando bem
Aqui no sertão ninguém
Vai conseguir lhe escutar.

Patativa do Assaré
Passou por aqui primeiro
E cantou como ninguém
A bondade do roceiro
Que pouco prazer desfruta,
A beleza da matuta
E a coragem do vaqueiro.

Esse bardo sertanejo,
De sobrada inspiração,
Já cantou com pompa e classe
O cariri e o sertão.
Os seus bonitos poemas
Nos mais variados temas
Estão no meu coração”.

Pra concluir disse a musa:
“Não quero você por cá.
Vá cantar noutra paragem
Porque Patativa já
Cantou alto e em bom som
O sertão seco, mas bom
Do poético Ceará.

E cantou as injustiças,
Tristezas, amor e guerra;
A seca, o inverno, a mata,
Da chapada ao pé da serra.
Cantou a reforma agrária
E a situação precária
Do trabalhador sem terra.

Já falou do retirante
Que abandona o seu lugar
E parte levando os seus
Para nunca mais voltar.
Portanto, meu bom rapaz,
O sertão já não tem mais
Nada pra você cantar”.

Mais uma vez vi meu sonho
Em cinzas todo desfeito.
Abracei minha viola,
Apertei-a sobre o peito,
Regressei para o meu lar
E comecei a rezar
Na solidão do meu leito

Moreira de Acopiara